Reportagem da Gazeta do Povo mostrou que, segundo dados do Sindicato Nacional dos Auditores Fiscais da Receita Federal do Brasil (Sindifisco Nacional), o limite para isenção do IR caiu de nove salários mínimos em 1996 para 1,73 salário mínimo hoje. Como o país teve vários anos de aumento do salário mínimo acima da inflação nas últimas décadas, um critério mais realista seria o do reajuste da tabela de acordo com o IPCA, e mesmo assim a defasagem fica evidente. Não há alteração desde o ano-base de 2015, para o IR declarado em 2016 (quando o limite de isenção ficou estipulado em R$ 1.903,98 mensais); se a tabela tivesse sido atualizada pelo IPCA nos últimos sete anos, estariam isentos todos os que recebem até 2.934,42. E estas são apenas as perdas desse último período sem reajuste algum, pois mesmo antes disso a prática do governo era a de alterar a tabela abaixo da inflação. Em 2015, por exemplo, o IPCA foi de 10,67%, mas a tabela do IR 2016 sofreu correção de 6,5% nas duas faixas de menor renda (incluindo os isentos), 5,5% na terceira faixa e 4,5% nas duas faixas de maior renda.
Se é verdade que o reajuste da tabela acabaria reduzindo a arrecadação do IR, por outro lado ele é uma questão de justiça para com o contribuinte
Cada ano sem a recomposição da tabela significa que trabalhadores cujos salários tenham reajuste, mesmo que não consigam a reposição total da inflação, podem deixar de ficar isentos, caso o novo salário mensal ultrapasse R$ 1.903,98, ou entrar em uma nova faixa de cobrança, das quatro existentes. Com mais brasileiros incorporados ao contingente dos que pagam IR, e com muitos dos que já pagavam subindo de alíquota, o resultado prático é uma elevação na arrecadação deste tributo. Em outras palavras, há aumento indireto de impostos.
Depois de não mexer no tema em 2019 e 2020, no ano passado o governo federal enviou um projeto de lei que alterava a tabela do IR, como parte da reforma tributária “fatiada” de Paulo Guedes. No entanto, o projeto tem caminhado aos trancos e barrancos – passou pela Câmara com muitas alterações, e está parado no Senado –, por tratar também de outros temas sensíveis, como a tributação sobre lucros e dividendos. Ao atrelar o reajuste da tabela do IR a outras alterações tributárias profundas, o governo acabou criando uma dificuldade desnecessária para uma mudança que costumava tramitar sem muita controvérsia: entre 2009 e 2015, por exemplo, o governo atualizou a tabela anualmente por medidas provisórias que sempre acabaram aprovadas, mesmo quando traziam consigo outros dispositivos relativos à tributação.
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Se é verdade que o reajuste da tabela acabaria reduzindo a arrecadação do IR, por outro lado ele é uma questão de justiça para com o contribuinte. Repetidamente temos afirmado que uma boa reforma seria aquela que onerasse menos a produção e o consumo, e tributasse mais o patrimônio e a renda, dentro da ideia de justiça tributária, segundo a qual quem tem mais paga mais. Congelar a tabela do IR, no entanto, é uma maneira bastante torta de elevar a tributação total sobre a renda, pois também os brasileiros que recebem menos são punidos, especialmente quando deixam de ser isentos ou quando sobem de faixa.
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